Homens erram com convicção
Na próxima vida ou eu venho um jogador de futebol ou não venho, simples assim. Para me convencer a reencarnar só nascendo homem e com habilidades de um bom centroavante. Quero ganhar bons salários, fazer refeições balanceadas no clube, me aposentar aos 35 após ter uma explosão de serotonina ao ouvir um estádio gritando meu nome depois de um gol. É pegar ou largar.
De fato essa ousadia que só é permitida aos homens é o que me causa muita inveja. Outro dia na oficina de cerâmica, enquanto aprendíamos sobre criação de esmaltes, precisávamos calcular a quantidade de óxidos que adicionaríamos à 50 gramas de base para formar a nossa tinta. Sendo 50 gramas equivalente a 100% da nossa mistura e 108% o valor final do nosso esmalte cerâmico. Tudo muito complicado, ainda bem que um rapaz do fundo ajudou com a conta.
Ele é um rapaz tímido e muito educado, que frequenta as aulas com quem eu acredito ser sua namorada. Sempre ficam reclusos num canto. Nessa aula ele rapidamente levantou para levar o resultado final até a professora. Mas não fazia sentido, vejam: a mistura que deveria pesar 4 gramas ao final, estava mais pesada. Eu demorei um tanto, mas soltei minha caneta, parei de encarar meus rabiscos no caderno e levantei a mão direita. Professora, este cálculo está errado.
O rapaz que sempre me pareceu (e ainda parece, pra ser sincera) muito retraído, levantou sem problemas e disse mostrando o caderno. Eu calculei aqui, veja. E prosseguiu com uma rápida explicação que para mim só confirmava que havíamos pesado errado os ingredientes, afinal 0,9 mais 3,5 com certeza não somavam apenas 4 gramas. Ambos insistimos, até que passei toda a conta da minha cabeça para o papel e demonstrei que havia um erro.
No fim do dia eu só queria mesmo era ser aquele rapaz. Eu não sei seu nome, o que faz da vida ou o que come no café da manhã. Só queria ter a ousadia de errar com convicção. Homens fazem isso, corajosos ou não, eles têm confiança. Enquanto isso, levei aproximadamente 30 minutos e duas folhas de caderno para ser levada a sério, mesmo sendo (também) uma técnica em química.

Talvez seja essa a grande diferença entre homens e mulheres ao fim do dia. Eles erram com firmeza, nós acertamos acanhadas. Escanteadas na academia, nos debates, nas profissões técnicas estamos quase sempre achando que o outro ou a outra provavelmente está mais certo. Avaliamos cada potencial risco antes de discordar em público.
Minha tia, por exemplo, uma excelente motorista, insiste em dar carona a um sujeito (chato) quando sai com seu grupo de amigos para dançar. Noutro dia quando o buscamos, tivemos que ouvir pelo menos três vezes como ir pela Jacu-Pêssego era o melhor caminho naquele horário, apesar de todos os aplicativos indicarem o Rodoanel. Estamos sempre sendo ensinadas sobre o que é o Marxismo, como fazer corretamente um agachamento sumô, os benefícios de utilizar aditivos ao invés de água no radiador, porque o caminho A é melhor do que o caminho B.
Pensando bem, não nos atrevemos a jogar bola porque não sabemos. Mas você já viu a quantidade de vídeos de homens perna de pau fazendo bizarrices no “fut dos amigos” no sábado de manhã? Com base nisso proponho um futebol para mulheres que nunca jogaram futebol, quem sabe entre nós possamos nos divertir errando com convicção.
AVISO: Nenhum homem foi ferido durante processo de escrita desta crônica. Você pode receber essa e outras histórias no seu email.